VT_Tematica_Medicina felina_detail.jpeg.jpg VT_Tematica_Medicina felina_detail.jpeg.jpg
  • Tempo de leitura: 5 mins

    Rinite crónica e espirro no gato

    A rinite crónica é uma causa frequente de espirro no gato e deve ser considerada uma doença potencialmente grave de prognóstico reservado. 

    Introdução

    O espirro é definido como um reflexo defensivo involuntário, consequência da estimulação física ou química dos recetores subepiteliais situados a nível nasal, em que se expele ar procedente dos pulmões através do nariz e da boca de modo repentino e explosivo, com o objetivo de limpar as vias aéreas.1 Embora possa aparecer associado a doenças do trato respiratório superior, inferior ou até ser secundário a uma doença sistémica, em geral, o espirro no gato está relacionado com rinite ou outras doenças da cavidade nasal ou nasofaringe.2 Aproximadamente 35% dos gatos com rinite sofrem de rinite crónica felina (RCF).3

    Solicite GRATUITAMENTE o póster de avaliação do estado corporal de gatos

    Etiologia e sinais clínicos

    A RCF é definida como uma inflamação da cavidade nasal que está presente durante mais de 4 semanas, quer seja de modo contínuo ou intermitente.

    Foram propostas várias causas para esta doença, embora a etiologia continue por esclarecer. Entre as possíveis etiologias estão:

    • Infeções víricas anteriores, especialmente as causadas por herpesvírus felino.
    • Infeções bacterianas que, embora sejam muito frequentes (69-96%), estão geralmente associadas a infeções secundárias.
    • E vários alergénios.3  
       

    Embora a RCF possa afetar gatos de qualquer idade (intervalo 0,5-16 anos), a maioria é gatos adultos de meia-idade que apresentam espirros, episódios recorrentes de corrimento nasal (seroso, mucoso, mucopurulento e, raramente, sanguinolento) unilateral ou bilateral e respiração estertorosa. Além disso, os tutores podem notificar apatia, anorexia (devido à incapacidade de cheirar a comida), dificuldade respiratória e pirexia. No caso de se acumularem muitas secreções, podem estar presentes sinais de doença nasofaríngea, como náuseas ou espirro reverso.3

    Diagnóstico diferencial do corrimento nasal crónico e espirro no gato

    O diagnóstico da RCF é um diagnóstico de exclusão que requer excluir outras causas potenciais de corrimento nasal e espirro no gato, como por exemplo:

    • Neoplasias (linfoma, sarcoma, adenocarcinoma).
    • Pólipos nasofaríngeos.
    • Infeções víricas, bacterianas, parasitárias ou fúngicas.
    • Presença de corpos estranhos.
    • Estenose nasofaríngea.
    • Trauma.
    • Lesões congénitas (fenda palatina, braquicefalia extrema).
    • Doença dentária (fístula oronasal, abcessos).
    • Pólipos dos cornetos nasais.
    • E alergias.2-4

    espirro gato

    Diagnóstico

    Embora provavelmente forneça pouca informação diagnóstica, o hemograma, perfil bioquímico, urianálise e serologia de retrovírus permitirão avaliar o estado geral do doente e podem ter algum valor prognóstico.

    Exceto se a situação clínica do animal indicar o contrário, a recomendação geral é iniciar a avaliação diagnóstica começando em primeiro lugar com os exames menos invasivos. Se os espirros estiverem associados a outros sinais de doença do trato respiratório superior, recomenda-se a recolha de esfregaços conjuntivais e nasofaríngeos para cultura ou PCR (Chlamydia felis, Bordetella bronchiseptica, Mycoplasma spp, herpesvírus e calicivírus felino). Não se aconselha a cultura das secreções do corrimento nasal porque, normalmente, apenas se obtêm bactérias comensais orofaríngeas.3,4

    Research Report: Gatos Esterilizados → Descarregue gratis Analisamos necessidades energéticas de gatos esterilizados e tecnicas para  prevenir a obesidade

    A radiologia e a tomografia computorizada (TAC) fornecem informações úteis para o diagnóstico, mas, geralmente, não permitem chegar a um diagnóstico definitivo. Radiologicamente, a RCF caracteriza-se pela opacificação uni/bilateral da cavidade nasal e/ou seios, com perda de definição ao nível dos cornetos, mas estas alterações podem observar-se também em doentes com neoplasias. Embora se considere a TAC uma técnica diagnóstica mais valiosa, em muitos casos, os achados em gatos com RC ou neoplasia são semelhantes, embora a presença de lesões líticas aponte mais para a última condição.3,4  

    A realização de lavagens nasais sob anestesia geral nestes doentes tem uma dupla finalidade diagnóstica e terapêutica. Por um lado, permite obter amostras para realizar culturas ou PCR e, por outro lado, pode facilitar a extração de corpos estranhos ou lesões tipo massa.3

    Por último, a endoscopia é parte fundamental no diagnóstico da RCF, já que permite a visualização direta da cavidade nasal, a realização de lavagens e a recolha de amostras para citologia, culturas ou biópsia.3

    Tratamento

    Exceto se a avaliação diagnóstica tiver permitido encontrar a causa dos sinais clínicos, e a mesma seja corrigível, o tratamento da RCF é frustrante, já que não existe uma terapia inteiramente eficaz e o tratamento baseia-se no controlo episódico dos sinais clínicos através da aplicação de várias estratégias.3

    • Tendo em conta que, normalmente, a administração de antibióticos na RCF é indicada durante períodos de 6-8 semanas, a escolha do fármaco deverá basear-se nos resultados da cultura.
    • A realização de lavagens periódicas é benéfica para o controlo da sinusite associada.
    • Os efeitos das nebulizações (15 minutos, 2-3 por dia) não estão bem estudados, mas estas poderão ajudar a tornar as secreções mais fluídas, desimpedindo as vias aéreas, ao mesmo tempo que permitem  a veiculação de alguns fármacos. Embora alguns médicos veterinários os utilizem, desconhece-se a eficácia dos mucolíticos ao nível da cavidade nasal.
    • Por outro lado, caso se utilizem descongestionantes nasais, é preciso lembrar que, se forem usados mais de 3 dias seguidos, podem causar vasodilatação de rebound, com um consequente agravamento do quadro clínico.3
    • A recomendação para usar fármacos antivirais (interferão, famciclovir ou lisina) nestes doentes baseia-se principalmente no suposto papel das infeções crónicas por herpesvírus no desenvolvimento de sinais clínicos. No entanto, a falta de evidências relacionadas não apoia a sua recomendação rotineira.
    • Do mesmo modo, não há evidências suficientes para recomendar o tratamento com inibidores dos leucotrienos ou imunomoduladores.3
    • Os anti-histamínicos poderão ser úteis em gatos que apresentem infiltrados eosinofílicos ou linfoplasmocíticos, mas deve ser tido em conta a variabilidade na resposta individual a cada fármaco, podendo ser necessário testar vários antes de concluir que não funcionam.3
    • Quanto ao uso de anti-inflamatórios, os não esteroides ajudariam a reduzir a dor associada à sinusite, melhorando o estado geral do animal. O uso de glucocorticoides é controverso porque é preciso ponderar os seus possíveis efeitos benéficos (redução do edema da mucosa e da migração de células inflamatórias) em relação ao potencial efeito sobre infeções latentes.3 

    Conclusões

    O espirro no gato representa um mecanismo de defesa do organismo perante diferentes situações e, em muitos casos, não é considerado um sinal relevante de doença. No entanto, caso se cronifique, devemos ficar atentos à presença de uma doença subjacente que poderá ser grave. No caso da RCF, o prognóstico é reservado porque nem todos os tutores assumem a dedicação e os custos necessários para o tratamento destes doentes.  

    Descarregue GRATUITAMENTE → Clinical Tool: Abordagem multimodal  no tratamento das doenças do trato urinário inferior felino. 

     
    Bibliografia
    1. Lopez J. Sneezing and Nasal Discharge. Em Ettinger SP, Feldman EC, Cote E. (eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine. 8th ed. Elsevier. 2017:619-624. 
    2. Quimby J, Lappin M. Feline focus: Update on feline upper respiratory diseases: introduction and diagnostics. Compend Contin Educ Vet. 2009;31: E1-7.
    3. Reed N. Chronic rhinitis in the cat: an update. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2020;50:311-332.
    4. Kuehn NF. Chronic rhinitis in cats. Clin Tech Small Anim Pract. 2006;21:69-75.