VT_Tematica_Medicina felina_detail.jpeg.jpg VT_Tematica_Medicina felina_detail.jpeg.jpg
  • Tempo de leitura: 5 mins

    Anorexia em gatos: etiologia e protocolo de diagnóstico

    A anorexia em gatos representa um dilema de diagnóstico importante para o profissional de saúde e uma fonte de frustração para os tutores.

    Introdução

    A falta de apetite é uma causa frequente de visitas ao veterinário. Um estudo no Reino Unido demonstrou que a inapetência era o terceiro motivo mais frequente de consulta em clínicas felinas de assistência primária.1

    Quer o guia para combater a obesidade e o sobrepeso em gatos? Descarregue GRATUITAMENTE 

    Embora muitos veterinários usem o termo anorexia para se referirem a falta de apetite, este é um termo que, sendo mais estrito, devia ser usado somente para descrever casos de perda ou de ausência total de interesse por comida. Em doentes que comem a sua dieta habitual, embora em quantidade inferior à necessária, deveria falar-se de hiporexia. Por outro lado, a disorexia refere-se a uma alteração nos padrões alimentares em que o animal rejeita a sua comida habitual, mas ingere outros alimentos.2-4

    A inapetência prolongada pode ter um impacto negativo na evolução de várias doenças crónicas felinas. Por isso, é importante ter uma noção clara sobre como atuar face à presença de anorexia em gatos.

    Etiologia e diagnóstico da anorexia em gatos

    O facto de a anorexia poder apresentar-se em associação a um número incontável de doenças faz com que seja muito difícil de estabelecer uma lista de possíveis diagnósticos diferenciais. Por conseguinte, é importante que o profissional de saúde siga um protocolo de avaliação o mais padronizado possível com o objetivo de tentar encontrar a causa da anorexia e de implementar um tratamento específico.

    O PRIMEIRO PASSO NA AVALIAÇÃO DA ANOREXIA: OBTER UMA HISTÓRIA COMPLETA

    É preciso prestar atenção ao seguinte:

    • Mudanças na dieta que possam ter afetado o apetite;
    • Tratamentos farmacológicos anteriores que possam causar anorexia (anti-inflamatórios, antibióticos, quimioterapêuticos, diuréticos);
    • Mudanças no meio envolvente que possam ter trazido uma situação de stress para o gato (novos animais de estimação ou mudanças de domicílio).
    • Além disso, é importante obter informação sobre outros sinais associados possíveis.

    Por último, a presença de anorexia em gatos dever ser diferenciada de outras circunstâncias em que, por exemplo, o gato continua a ter apetite, mas não come porque, por exemplo, não pode abrir a boca devido a uma miosite mastigatória.3

    UMA VEZ OBTIDA A HISTÓRIA CLÍNICA: EXAME FÍSICO COMPLETO 

    O passo seguinte é fazer um exame físico completo, incluindo uma avaliação das cavidades oral, torácica e abdominal e um exame oftalmoscópio. Se houver suspeita de dor crónica, é indicado realizar um exame ortopédico e neurológico. A partir dos dados obtidos durante o exame físico, estabelece-se que análises de diagnóstico devem ser realizadas.

    Em geral, deve incluir-se sempre hematologia, perfil bioquímico e urinálise, assim como exames imagiológicos como radiologia ou ecografia, conforme for a disponibilidade e a suspeita clínica. Uma vez analisados os resultados, podem ser indicados exames adicionais, como serologias ou determinação de níveis hormonais e, conforme for o caso, citologias ou histopatologia.3

    anorexia em gatos

    Tratamento da anorexia em gatos

    O tratamento da anorexia baseia-se no controlo e eliminação da causa primária. Contudo, nos casos em que isso não é possível, ou quando a situação clínica do gato o aconselhar, há uma série de medidas para tentar estimular o apetite do animal que se podem tomar. Estas medidas incluem:

    • Mudanças na dieta e no meio envolvente
    • Tratamento farmacológico da anorexia
    • E alimentação assistida

    Quer o guia para combater a obesidade e o sobrepeso em gatos? Descarregue GRATUITAMENTE 

    É importante que o gato receba a comida num meio envolvente adequado e onde esteja seguro, evitando estímulos que possam ter resultados desagradáveis.

    Deve-se tentar que a dieta seja o mais palatável possível. Contudo, não há regras fixas. Enquanto há gatos que preferem dietas húmidas, há outros que rejeitam tudo o que não seja alimento seco. Outras opções poderão ser aumentar a percentagem de sal, gordura ou proteína do alimento, mas, nesse caso, é preciso ter em conta os possíveis efeitos negativos que essa medida pode ter em determinadas patologias subjacentes (como por exemplo, um excesso de proteínas em gatos com doença renal crónica ou de gorduras em doentes com pancreatite). Pode optar-se por usar uma dieta caseira como forma de aumentar o apetite, mas, neste caso, dever-se-á consultar primeiro um especialista em nutrição a fim de evitar desequilíbrios nutricionais.2

    ESTIMULANTES DE APETITE

    Apesar de não estarem registadas para serem usadas como tal, existem várias substâncias que há muitos anos se recomendam como estimulantes de apetite em gatos. Entre outras, recomendam-se as seguintes: diazepam, ciproeptadina, glucocorticoides, maropitant, acetato de megestrol, esteroides anabolizantes, óleo de peixe, canabinoides, cobalamina, e propofol.4

    • Atualmente, o fármaco mais usado no tratamento da anorexia em gatos é a mirtazapina. Trata-se de um antidepressivo tetracíclico com atividade anti-histamínica, noradrenérgica e serotoninérgica que demonstrou ser eficaz como estimulante de apetite em gatos e que, além disso, está registado para ser usado como tal em vários países, entre eles, Espanha. A mirtazapina pode ser administrada por via oral (1,875-3,75 mg/kg/24-72 horas), embora não seja comercializada numa forma farmacêutica específica para gatos em Espanha, ou por via transdérmica (2 mg/kg/24 horas) que, neste caso, já é comercializada para ser usada nesta espécie. Os efeitos adversos notificados, sobretudo quando administrada em doses elevadas, incluem: vocalização, nervosismo, inquietude, ataxia, e, paradoxalmente (devido à suposta atividade antiemética do fármaco), vómito.4
    • Os agonistas dos recetores da grelina também demonstraram ser eficazes como estimulantes de apetite em gatos, e um deles, a capromorelina (2 mg/kg/24 horas), foi recentemente registado para esse uso em gatos com doença renal crónica nos EUA.4

    ALIMENTAÇÃO ASSISTIDA

    É recomendado começar com alimentação assistida quando um doente não satisfaz os seus requisitos energéticos em repouso há mais de 3-5 dias e não apresenta sinais de melhoria. De qualquer forma, se houver sinais evidentes de subnutrição, má condição física, ou se se esperar uma deterioração progressiva sem apoio nutricional, deve ser iniciada antes.2 

    Nestes casos, e em função da gravidade da situação clínica do doente e da predisposição dos tutores, pode optar-se por uma sonda nasogástrica ou por um tubo de esofagostomia, gastrostomia ou jejunostomia.

    Conclusões

    A anorexia em gatos representa um problema importante na clínica diária tanto pelos efeitos negativos que tem na evolução de muitas doenças, como pelos sentimentos negativos que causa aos tutores. Por isso, devemos fazer o possível para estimular o apetite destes doentes. Nesse sentido, para além do tratamento da causa primária da anorexia, as medidas iniciais são aumentar a palatabilidade da dieta e recorrer a apoio farmacológico. Se isto não funcionar, ou se a condição clínica do gato o aconselhar, devemos sempre oferecer alimentação assistida, a qual, embora cause uma resposta de rejeição por parte de alguns tutores, é a única forma de garantir um apoio nutricional adequado.

    Descarregue GRATUITAMENTE → Clinical Tool: Abordagem multimodal  no tratamento das doenças do trato urinário inferior felino. 

    Bibliografia
    1. Robinson NJ, Dean RS, Cobb M, et al. (2015). Investigating common clinical presentations in first opinion small animal consultations using direct observation. Vet Rec; 176: 463.
    2. Delaney SJ. (2006). Management of anorexia in dogs and cats. Vet Clin North Am Small Anim Pract; 36: 1243-1249.
    3. Forman MA (2017). Anorexia. Em Ettinger SP, Feldman EC, Cote E. (eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine. 8th ed. Elsevier: 484-489.
    4. Johannes CM, Musser ML. (2019). Anorexia and the Cancer Patient. Vet Clin North Am Small Anim Pract;49: 837-854.